Apresentado ao Congresso Nacional em junho de 2023, o Projeto de Lei nº 2925/2023 se insere em um contexto de reformas que visa, efetivamente, reduzir o custo de transações na economia.
Registre-se que pensar o macroeconômico, por si somente, não é suficiente à resolução dos problemas da economia do Brasil, sendo necessária a implementação de mini-reformas que solucionem os gargalos da produtividade nacional como, por exemplo, a Reforma do Sistema de Enforcement Societário Brasileiro.
Obviamente, tal esforço compreende o mercado financeiro, em geral, e mercado de capitais, em particular, na medida em que a ausência de meios para a proteção dos acionistas (i) eleva o custo de capital e (ii) afugenta investidores.
Em síntese, o escopo do aludido PL, conforme Exposição de Motivos, é aperfeiçoar os mecanismos de tutela privada de direitos de acionistas minoritários contra prejuízos causados por atos ilícitos de acionistas controladores e administradores de companhias abertas, visando a maior segurança jurídica para investidores do mercado de capitais.
Noutros termos, fortalecer o private enforcement societário e alinhar o Brasil às melhores práticas de governança corporativa internacionais para aumentar o índice de confiança dos investidores e reduzir os custos operacionais do sistema financeiro, impactando positivamente sua eficiência como um todo.
Nesta senda, o PL 2925/2023 (de construção coletiva da CVM e OCDE), no sentido de alinhar o Brasil a outras jurisdições, busca em termos gerais:
- Reforçar os mecanismos de tutela privada (private enforcement) de investidores atuantes no mercado de capitais brasileiros;
- Ampliar as competências e capacidade da CVM como ente fiscalizador do mercado;
- Ajustar pontualmente a governança de sociedades anônimas.
Para os fins deste exíguo artigo de opinião, convém trazer a lume o teor do art. 134 da LSA, senão vejamos:
Art. 134. Instalada a assembleia-geral, proceder-se-á, se requerida por qualquer acionista, à leitura dos documentos referidos no artigo 133 e do parecer do conselho fiscal, se houver, os quais serão submetidos pela mesa à discussão e votação.
1° Os administradores da companhia, ou ao menos um deles, e o auditor independente, se houver, deverão estar presentes à assembleia para atender a pedidos de esclarecimentos de acionistas, mas os administradores não poderão votar, como acionistas ou procuradores, os documentos referidos neste artigo.
2º Se a assembleia tiver necessidade de outros esclarecimentos, poderá adiar a deliberação e ordenar diligências; também será adiada a deliberação, salvo dispensa dos acionistas presentes, na hipótese de não comparecimento de administrador, membro do conselho fiscal ou auditor independente.
3ºA aprovação, sem reserva, das demonstrações financeiras e das contas, exonera de responsabilidade os administradores e fiscais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação.
É consabido que a LSA estabelece que a propositura de ação judicial visando a responsabilização civil do administrador por prejuízos causados ao patrimônio da Companhia demanda a prévia deliberação da Assembleia Geral (art. 159 LSA).
Neste diapasão, o art. 134, §3º dispõe acerca da aprovação sem ressalvas das contas pela Assembleia demonstra que os acionistas concordaram com a atuação dos administradores, dando a eles quitação e exonerando-os de qualquer responsabilidade.
Cabe ressalvar que o quitus é ato considerado irrevogável e irretratável, de modo que, a partir da aprovação das contas, a Assembleia fica, em tese, impedida de aprovar a propositura de ação de responsabilidade, na forma prevista pelo art. 159, da LSA.
Isto se deve ao fato de que a exoneração da responsabilidade dos administradores é relativa e não absoluta, afinal há uma única hipótese na qual, mesmo aprovadas as contas, o administrador pode ser responsabilizado por danos causados à companhia: mediante erro, dolo, fraude ou simulação (conforme o §3º, do art. 134).
Com efeito, é pacífico o entendimento de que a ressalva do art. 134, §3º, da LSA pressupõe o ajuizamento de ação para invalidade da deliberação, de sorte que uma nova deliberação da Assembleia pela revogação da aprovação das contas não é suficiente para invalidar a deliberação que exonerou o administrador de responsabilidade, ainda que tenha se dado mediante erro, dolo, fraude ou simulação.
Isso em respeito (i) ao §3º do art. 134 que trata das exceções à exoneração de reponsabilidade do administrador ao art. 286, que entabula a previsão da ação judicial de anulação da deliberação e (ii) à segurança jurídica decorrente da deliberação da Assembleia (ato jurídico perfeito que cria direitos e exonera terceiros de responsabilidades).
No entanto, enquanto a pretensão de reparação de danos contra o administrador pode ser ajuizada no prazo de 03 anos (da data da publicação da ata que aprovou o balanço do exercício em que o dano ocorreu), a demanda pela invalidação da deliberação que aprovou as contas somente pode ser ajuizada no prazo de 02 anos (contados da deliberação que se pretende anular), que encerra-se antes do prazo para a demanda reparatória.
Destarte, se há pretensão de responsabilizar o administrador que já teve suas contas aprovadas, a Companhia precisará propor 2 ações: i) ação para anulação da deliberação da aprovação das contas e ii) ação de reparação dos danos.
Este é o quadro geral.
Por seu turno, o PL 2.925/23 prevê mudanças no artigo 134, nos seguintes termos:
Art. 134. ……………………………………………………………..
1º Os administradores da companhia, ou, ao menos, um deles, e o auditor independente, se houver, deverão estar presentes na assembleia-geral para atender a pedidos de esclarecimentos de acionistas, não permitida a votação dos administradores, como acionistas ou procuradores:
I – nos documentos previstos neste artigo;
II – nas deliberações sobre a exoneração de responsabilidade dos administradores e dos fiscais; e
III – na propositura de ação de responsabilidade.
3º A aprovação das demonstrações financeiras e das contas não exonera administradores e fiscais de responsabilidade.
3º-A A assembleia-geral poderá, por meio de deliberação específica, que conste expressamente da ordem do dia, exonerar administradores e fiscais de responsabilidade com relação aos fatos ocorridos durante o exercício da sua gestão e o prazo dos seus mandatos, devidamente especificados.
Como se percebe, o PL veicula a eliminação da exigência para que investidores entrem com uma ação de anulação de contas antes de moverem uma ação de responsabilidade contra um administrador.
No entanto, tal anulação pressupõe o ajuizamento de ação anulação da aprovação de contas, visto que uma nova Assembleia que revogasse a aprovação das contas anterior, não teria o efeito de revogar a exoneração do administrador.
Deste modo, a Ação de Anulação da Aprovação de Contas é um requisito para garantir que a análise dos atos dos administradores seja completa e justa, pois permite uma revisão detalhada das demonstrações financeiras e contábeis da empresa, identificando possíveis irregularidades ou fraudes.
Perceba que ao eliminar essa exigência, há o risco de que ações de responsabilidade sejam movidas sem uma avaliação aprofundada das contas, prejudicando a precisão das decisões judiciais.
Assim, a referida autorização para que investidores proponham ação de responsabilidade sem anular a aprovação de contas tem o condão de prejudicar tanto administradores, quanto investidores, dada a insegurança jurídica suscitada.
Em verdade, suscita um justo receio que eventual insegurança jurídica trazida pela regra gere prejuízos reais às companhias, como uma menor atração de talentos para a alta administração, maiores custos para a contratação de seguro D&O, etc.
Por outro lado, a referida inovação pode trazer um maior grau de consciência e intenção ao ato de outorga de quitação aos administradores, no que se refere à aprovação de contas, retirando a sua “presunção” e fazendo que os acionistas que desejem praticar este ato deliberem especificamente neste sentido.
Sem dúvida, o PL, neste ponto, veicula uma mudança em relação à aprovação de contas e demonstrações financeiras, que mais parece uma contundente reação aos casos de Americanas, CVC e outros, que propriamente uma solução efetiva com o fito de responsabilizar os administradores por danos causados à companhia.
Diante disto, impõe-se indagar:
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- Tal mudança teria aplicabilidade prática suficiente para alcançar, efetivamente, os fins perseguidos?
- A referida inovação representa um custo benefício favorável, dada a insegurança jurídica criada para as deliberações e administradores?
- Considerando a retirada do efeito exoneratório das demonstrações financeiras e das contas, seria possível e coerente o administrador participar das votações destes documentos?
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Enfim, o que vai acontecer na prática?
Muito embora o Brasil se harmonize com a regulação de países desenvolvidos através do PL 2925/203, a mudança dos parágrafos 3º e 3º-A do art. 134, da LSA, terão pouca utilidade prática e serão inócuos dentro daquilo a que se propõe, afinal é muito provável que as companhias apenas modifiquem a redação padrão da Ata da Assembleia de Aprovação das Demonstrações Financeiras para atender a nova exigência legal (de menção a exoneração expressa) e nada mais.
Na integra, o referido PL teria mais efetividade se determinasse:
- a extensão da exoneração que essa aprovação de contas confere ao administrador, já que ela confere uma exoneração para aquilo que consta nas Demonstrações Financeiras, de modo que qualquer ato não refletido nesses documentos não fossem objeto de exoneração;
- a dilatação do exíguo prazo prescricional de 02 para 05 anos, por exemplo, para permitir a responsabilização de modo efetivo;
- a possibilidade de pedir em uma única ação (i) a anulação da deliberação da aprovação das contas e (ii) a reparação dos danos.